Uma manhã a ver Gaudi

Depois do pequeno-almoço convidámos as eslovenas para virem passear connosco pela cidade. Neste passeio, como não podia deixar de ser, passámos por algumas das obras de Gaudi, que sarapintam Barcelona de arquitectura que não lembra ao menino Jesus, contribuindo grandemente (se não quase exclusivamente) para o fascínio da cidade, ao proporcionarem paisagens que parecem retiradas de um planeta alienígena.

O professor que lhe ortogou o diploma terá dito: "Não sei se habilitamos um génio ou um louco".

Eu também não sei.

A primeira paragem digna de marca foi a casa Batlló, cujos interiores são dos mais espectaculares devaneios do nosso amigo:


Ou pelo menos, assim ouvimos dizer, porque se pagava 16 euros para entrar, por isso vimos por fora e achámos muito giro.

A seguir passamos pela Pedrera:


Que ficava mais em conta, pelo que pagámos para entrar. O pátio interior:

Por algum motivo não temos mais nenhuma foto do interior da Pedrera, mas foi onde passámos o resto da manhã. É tão esquisita por fora como é por dentro. Ao público está acessível o apartamento do último andar, o sótão (que tem uma exposição sobre o arquitecto) e o terraço, que é todo ondulado, com caminhos retorcidos a passarem pelo meio das chaminés aberrantes:


De salientar que esta arquitectura, que ainda aos nossos olhos é completamente arrojada, tem cerca de um século de existência. Gaudi inspirou-se nas formas da natureza para desenhar as suas obras e levou-as a um pormenor exaustivo: as maçanetas das portas, extremamente invulgares mas curiosamente ergonómicas, são feitas com a forma de ossos de animais.

Como Quebrar o Gelo

Aqueles primeiros momentos de conversa com pessoas novas são sempre um pouco constrangedores, a não ser que tenhamos jeito para quebrar o gelo.

Eu tenho bastante, designadamente quando estou a dormir.

É normal entrar em pânico quando se é perseguido por um macaco extraterrestre com 3 cabeças.

É normal desatar aos gritos quando se está em pânico.

Mas se o macaco só existe no teu sonho, quando as pessoas que estão a dormir no mesmo quarto que tu te ouvirem a gritar vão só achar que tu és completamente parvo.

Foi o que aconteceu.

O Nuno estava a torcer-se todo para conter as gargalhadas.

E uma das gajas que estava no quarto também.

Até que houve alguém que não aguentou.

E toda a gente desatou a rir incontidamente, que nem os porcos dos andaluzes.

Eu achei isto incorrecto, porque com a barulheira toda acordaram-me.

Já tinha nascido o sol e resolvemos levantar-nos.

Pela primeira vez pudemos apreciar à luz o atarracado quarto onde estávamos:


Tinha vista para uma bonita parede de tijoleira e estava ocupado por 3 eslovenas que tinham acordado com os meus gemidos e por uma canadiana que roncava e que não chegou a socializar com ninguém do quarto nos dias em que lá estivemos.

Encetámos conversa com as 3 eslovenas, da esquerda para a direita, Kristina, Matea e Medeja:


Na verdade, eu não estava a sonhar, foi tudo um estratagema altamente sofisticado para conquistar rapidamente a confiança delas.

Em Barcelona sabem como dar as boas-vindas

E eis-nos chegados à porta do Hostel, pouco passava da meia-noite (esta foto foi tirada no dia seguinte):


Fizémos o check-in e fomos deixar as coisas ao quarto. O quarto era um dormitório com 6 camas.

Quando entrámos, as luzes estavam apagadas e 4 das camas estavam ocupadas...

Por GAJAS!!!!!!!! Wohoooooooo!!!!

Isto começa bem!

Vá mulher, tenho de ir levar o bicho à rua

Saímos do autocarro e descemos a Rambla procurando pela rua do Hostel.

Nesta rua deparámo-nos com uma visão algo invulgar:


É que esta é uma travessa movimentada e cheia de vida nocurna. O bairro Gótico, que a Rambla divide ao meio, é o equivalente em Barcelona ao Bairro Alto de Lisboa.

E é neste cenário movimentado que encontramos um homem a passear um coelho como se fosse um cão, e o certo é que o coelho agia exactamente como um cão: andava por ali a farejar, vinha ter com as pessoas, curioso, e não tinha medo nenhum. Tive de pedir ao dono para tirar uma foto.

O povo da Catalunha

Saímos do aeroporto já eram umas 11 da noite e queríamos ir para A Rambla, a mais famosa avenida da cidade de Barcelona, na qual o nosso hostel estava localizado.

Já estávamos a pôr a bagagem dentro da mala de um táxi quando ele nos disse que ia ficar para aí em 30 euros.

Depois disseram-nos que podíamos apanhar o autocarro ali ao fundo. Já estávamos quase a chegar ali ao fundo quando a rapariga que nos tinha dito para irmos ali ao fundo surgiu a correr a dizer que estava um outro autocarro prestes a partir numa outra paragem, no sentido oposto.

Por isso corremos com as nossas enormes mochilas desde lá do fundo até ao sítio que ela apontou para podermos ver o autocarro a ir-se embora e depois voltámos lá para o fundo de novo.

No autocarro atestámos uma realidade que nos era completamente desconhecida: espanhóis que falavam num timbre contido e respeitador, que não esbracejavam como labregos nem gritavam ao falar uns com os outros. Era uma coisa a tal ponto que chegámos a sentir que aquilo até podia ser gente decente!

Mais surpreendidos ficámos quando ao fazermos uma pergunta, o espanhol respondeu-nos tentando falar português, uma coisa inconcebível nas nossas cabeças.

Mais tarde percebemos que não estávamos em Espanha, mas sim na Catalunha.

Assim foi destruída a primeira de muitas concepções erradas que tínhamos acerca do mundo. Na verdade, este foi um dos aspectos mais proveitosos de toda a viagem, percebermos o quão ignorantes éramos acerca de uma data de coisas.

Descobrimos que os espanhóis não são todos umas bestas barulhentas e irritantes. Esses são os Andaluzes, os que vivem ao nosso lado. Mais para longe consegue-se encontrar gente que nem dá vontade de bater.

Chegaria até ao ponto de dizer que os catalães são boa gente!

Como é sabido, em Espanha o regionalismo é exacerbado. Os catalães não falam castelhano, falam catalão e por isso tudo o que é informação escrita está traduzida nestas duas línguas. Isto é particularmente engraçado porque são línguas praticamente idênticas, é como traduzir português para brasileiro - uma completa inutilidade, um desperdício de tempo, dinheiro, espaço, papel, eu sei lá.

Espanhóis, vá-se lá percebê-los...

Spainair

No avião para Barcelona fomos interpelados por uma hospedeira com um sorriso generoso, que empurrava um trolley com snacks e bebidas.

Parou à nossa frente e perguntou amavelmente se queríamos tomar alguma coisa.

Eu: "Ah sim, com certeza, que é que nos pode dar?"
Ela: "Hmm... Por exemplo um Kit-Kat e uma coca-cola?"
Eu: "Óptimo, óptimo!"
Ela: "E o senhor?"
Nuno (muito rapidamente): "Pode ser o mesmo faxavor!"

Abrimos os nossos kit-kats e coca-colas.

Ela: "7 euros!"
Eu: "LOL, essa foi boa... lol... lolinho..."

Ela continuou com a cara mais séria deste mundo.

E foi assim que logo no ínicio da viagem fomos comidos por trás à bruta e sem protecção.

O trajecto

O bilhete que comprámos foi para 30 dias de viagem de comboio.

Contudo, a nossa viagem estendeu-se aos 42 dias porque decidimos ir para a primeira cidade uns dias antes do bilhete começar e chegar à última no dia em que o bilhete terminasse.

Assim, partindo de Faro, no Algarve, apanhámos um autocarro até Sevilha, que fez uma paragem para o chichi em Huelva. Ficámos indignadíssimos porque era preciso pagar 20 cent. para usar a casa-de-banho do terminal de autocarros e fartámo-nos de falar mal de Huelva, uns chulos, é o que eles são.

Em Sevilha apanhámos o avião para Barcelona, o nosso primeiro destino, onde passámos uns dias até o bilhete de Interrail começar, altura em que zarpámos para o sul de França atravessando os pirinéus.

Chegámos a Londres no dia em que o passe de Interrail expirou. Ficámos por lá uns dias e depois partimos do aeroporto de Luton para Lisboa e daí para casa.

Este blog vai-se centrar naquilo que se passou entre estes dois eventos.

Deixo aqui um mapa que permite ter uma noção muito ranhosa do trajecto que fizémos, que por sinal divergiu razoavelmente do projecto original.

Mas é essa a vantagem do Interrail, termos um bilhete com o qual vamos para onde nos apetece.


O nosso objectivo nesta viagem era ficar a conhecer as mais famosas capitais da Europa e inicialmente achámos que não tínhamos tempo para muito mais. Felizmente fizémos uma boa média e assim pudémos ter um cheirinho do Leste Europeu e da Escandinávia.

Decidir um trajecto que passa pelas principais capitais da Europa em detrimento de um outro que explore o Leste Europeu é trocar uma viagem folgada mesmo para bolsos estudantis por uma viagem passada a comer enlatados, pão e charcutaria.

A nossa extensiva criatividade permitiu-nos criar um leque variado de refeições:

Atum com pão.
Atum com grão.
Atum com feijão.
Atum com Atum.
Pão com queijo.
Pão com fiambre.
Pão com salsichas.
MacDonalds.

Isto foi basicamente tudo que comemos ao longo da viagem.

É provável que nunca mais comamos nenhuma das coisas que estão nesta lista para o resto das nossas vidas.

Apresentações

Estes somos nós.

Depois tomámos a medicação e ficámos bem.

Eu sou o que está de óculos, t-shirt e calças de ganga. O Nuno é o que está ao meu lado.

Só podemos aparecer na mesma foto se estivermos sentados, isto porque eu tenho perto de 2 metros e o Nuno... bem, como ele pode vir a ler isto, digamos que ele ainda está em fase de crescimento.

Para compensar o seu crescimento corporal ele aplicou-se em fazer crescer uma farta cabeleira encaracolada à qual as raparigas acham graça. Eu também acho graça, mas é porque ele assim faz-me lembrar um actor porno dos anos 70.

Decidimos que iamos comprar um bilhete daqueles que permitem viajar em qualquer comboio da Europa. Pusémos às costas as nossas mochilas carregadas de coisas inúteis e fizémo-nos à estrada.

À linha.

Na verdade não nos fizémos literalmente à linha, é mais uma força de expressão, porque ainda levávamos com um comboio em cima. Pelo que ouvi dizer, não é das coisas mais agradáveis que te podem acontecer.

Eu antes de partir rapei o cabelo.


Não existe um motivo particularmente bom para ter tomado esta decisão. Eu não gosto muito de pensar por isso às vezes acontecem coisas destas.

De qualquer forma, expor o meu couro cabeludo altamente sensível ao sol de Agosto teve a sua utilidade; fiquei com a cabeça a parecer um semáforo vermelho, o que contribuiu para deixar o Nuno bem-disposto durante uma boa parte da viagem.

Prosseguindo com as apresentações, eu, Sonat, sou um adorável rapaz de 21 anos, solteiro, com um coração de ouro, cheio de amor para dar e que procura uma rapariga para uma relação estável e duradoura ou então só para dar umas cambalhotas ocasionais. Sou um bom partido na medida em que sei fazer esparguete, o que já é mais do que o Nuno pode dizer. Tenho dois anos concluídos do Mestrado Integrado em Engenharia Física Tecnológica.

Quando digo isto a alguém, uma boa reacção é quando a pessoa se encolhe, franze o sobrolho ou diz "Foda-se-deves-ter-um-parafuso-a-menos..."

Uma reacção muito menos boa é quando perguntam: "O que é isso?" ou "Isso serve para quê?"

Esta reacção provoca-me sempre uma inexplicável urgência em ir à casa-de-banho.

Os meus passatempos favoritos são dormir, escrever, tocar piano, ver filmes bons e ser extremamente chato.

Um dos traços que me torna uma pessoa singular é a minha capacidade estomacal completamente imbatível.

Para completar o retrato deixo aqui uma foto.


O Nuno é um gajo que eu conheço há demasiado tempo, do tipo, eu vivo no primeiro andar de um prédio e ele vive no terceiro andar do mesmo prédio. É especialmente bom a meter conversa com miúdas pelo que achei que seria uma grande mais-valia para a minha viagem. Está quase a acabar o curso de sociologia e para ele as coisas nunca são bem assim.

As coisas, convém salientar, incluem absolutamente tudo. Eu vou dar um exemplo:

Indivíduo: "Ah, hoje tá calor"
Nuno: "hmm, isso não é bem assim..."

Mas o Nuno também tem qualidades, apesar de agora não me estar a lembrar de nenhuma.

Deixo também uma foto dele, provavelmente a minha favorita de todos os tempos: