Montpellier

De Perpignan fomos para Montpellier, uma pequena cidade que nos tinha sido aconselhada pela Isabelle de Barcelona.

Já estava a escurecer quando chegámos e precisávamos de encontrar um sítio para pernoitar.

Não tínhamos feito quaisquer reservas e o Nuno estava um pouco preocupado com isso. Eu disse-lhe para deixar de ser maricas porque agora já tinha começado o interrail e parte fundamental do espírito do interrail é não fazer planos com antecedência e deixarmo-nos ir para onde o vento nos levar.

Como o vento não nos levou a lado nenhum tivemos de ir de comboio, mas o que importa para a história é que ser fiel ao espírito do interrail implica nunca saber de antemão onde é que vais estar quando a noite cair, o frio apertar e o sono surgir. Por outras palavras, significa ser-se extremamente estúpido, como viemos a constatar nessa mesma noite, cujo serão foi passado a cirandar por uma cidade desconhecida e cheia de mitras com péssimo aspecto, com mochilas de 15 kg às costas, à procura de um sítio com um quarto vago, o que se revelou extremamente extenuante.

Eventualmente decidimos que não íamos ser assim tão estúpidos e fomos a um cybercafé telefonar para várias pousadas até encontrarmos uma que disse que tinha um quarto para nós. Perdemos mais uma eternidade a tentar encontrá-la andando às voltas pelas ruas até que pela 1 da manhã a encontrámos e pudemos largar as mochilas, com imenso alívio.

Já estávamos a ver a vida a andar para trás e chegámos a considerar ter de passar a noite na rua. Eu estava a ficar bastante exasperado com tanta viagem para cá e para lá e já mandava vir com o Nuno por tudo e por nada.

Mas por fim tudo acabou bem, tomámos uma banhoca e jantámos um belo dum atum com pão num quarto só para nós dois.

Em retrospectiva, pensei para mim próprio que até tinha sido demasiado fácil. Eu vim para esta viagem a contar que merda acontecesse - muitas e muitas vezes! Mas até agora os ventos estavam favoráveis. Tínhamo-mos fartado de andar pela rede de Tram (Eléctrico) de Montpellier sem pagar um chavo e nem tivemos de fugir de revisores; cruzámo-nos com montes de mitras nas ruas e nenhum nos quis assaltar; chegámos à pousada e havia mesmo um quarto para nós... Foi para isto que paguei 400 euros pá??!!

Eu queria uma aventura, não uma porcaria dum verão a andar de comboio! Isso já faço o ano todo e não me agrada particularmente, principalmente porque estou sempre a apanhar com ciganos malcheirosos ou pais com crianças barulhentas e extremamente irritantes...

Mas voltando onde estava, um quartinho só para nós os dois... Despi-me da cintura para cima e olhei provocadoramente para o Nuno, usando toda a minha sensualidade:


Claro que partimos de imediato para os preliminares, que por esta altura a fome já era muita:


E mais não mostro que a minha mãe pode ver isto e eu já lhe dei desilusões que cheguem.

Depois disto aliciei o Nuno para irmos ver a noite de Montpellier, mas sabem como são os homens depois do sexo, ficam todos moles...

"Anda lá!"

"Ai não... Isso é só mitras na rua e eu estou tão cansado..."

"Anda lá!"

"Ainda vamos ter de andar bué que a baixa é bué longe"

"Anda lá, não vamos ficar mais nenhuma noite aqui, só temos esta para ver como é a vida nocturna disto..."

"Ai mas tenho tanto sono"

"Ok então vou sozinho"

"Não vais nada sozinho, deixa de ser parvo!"

"Vou sim, até logo."

Ao ver-me tão convicto o Nuno soube que não me podia deter e ficou com medo que me acontecesse alguma coisa (aquilo estava mesmo cheio de mitras). Por algum motivo, achou que os seus 150 centímetros de altura poderiam ajudar e por isso veio comigo.

A baixa de Montpellier revelou-se surpreendentemente amistosa. A noite não era feita de bares e discotecas com música alta e gente de pé, como estávamos habituados, mas sim de grandes esplanadas onde as pessoas se juntavam para conviver, num ambiente calmo e relaxante.

Numa dessas esplanadas testemunhámos algo que nos deixou meio aparvalhados, de tal forma que nos sentamos no lancil do passeio e ficámos sentados a olhar para aquilo durante bem mais de uma hora.

Era uma esplanada cheia de gente, como as outras, mas nesta cada uma das pessoas (a maior parte numa faixa etária entre os 20 e os 30) estava armada com um fino tubo de cartão, no qual podia introduzir bolas de papel e soprá-las contra os outros.

Todos estes homens e mulheres feitos estavam divertidíssimos numa animada guerra de bolas de papel entre mesas enquanto conversavam e bebiam cervejas. Alguns deles já estavam tão entusiasmados com a brincadeira que se escondiam atrás das mesas para soprar bolinhas e uns quantos foram buscar caixas de cartão para se barricarem.

Como ficámos ali uma data de tempo a olhar, um homem chegou-se ao pé de nós e tirou de um saco dois tubos de cartão que nos ofereceu para nos juntarmos à guerra, o que não tardámos a fazer, apanhando bolas de papel de entre as dezenas que estavam espalhadas pelo chão.

Ficámos por ali até o bar fechar e o Nuno arrependeu-se eternamente de não ter trazido a máquina fotográfica.

No dia seguinte passámos outra vez pelo sítio e tirámos uma foto. As mesas e cadeiras tinham sido retiradas, mas o mais espantoso é que quando tínhamos abandonado o local, poucas horas antes, o chão estava completamente atulhado de bolinhas de papel, serpentinas e confettis. Não havia quaisquer vestígios de tal cenário na manhã seguinte:

E Montpellier apaixonou-nos por isto, pela sua limpeza, pelo seu aspecto novo e cuidado e pelo seu ambiente calmo, amistoso e convidativo. Apesar de ser sem dúvida uma cidade relativamente grande está ao mesmo tempo impregnada deste ar de pequena aldeia.


Repleta de belos edíficos de construção antiga, cheios de pormenores elaboradíssimos, nas ruas tudo parece novo de tão luminoso e impecavelmente limpo.


No centro abrem-se largas avenidas pedonais que lhe dão um ar arejado e solarengo. É uma cidade brilhantemente concretizada, muito bonita e bem conservada.

A travessia dos Pirinéus

E eis que chegou o dia da activação do bilhete de InterRail e partimos rapidamente de Barcelona rumo à Suiça, que era o nosso próximo destino planeado, para nos encontrarmos com o David que mora e estuda lá.

Claro que ainda tínhamos os Pirinéus e o sul de França pelo caminho e não os íamos desprezar.

Para chegar a França, lemos num guia que um dos mais extraordinários trajectos que se podem fazer para atravessar os Pirinéus é o do comboio que liga La Tour de Carol a Perpignan. Não o quisemos deixar passar ao lado e enfiámo-nos num comboio rumo a norte, até à localidade de Ribes de Freser. Note-se o nome da povoação que se encontra mais próxima desta última.

Núria! Outra vez pá! Segue-me para toda a parte... É mesmo verdade, há uma terrinha perdida no extremo leste de Espanha com este lindo nome... Confesso que gostava de a ter visitado só para dizer que lá estive, mas infelizmente a Núria é meio inacessível - não há comboios para lá.

Também não há comboio entre Ribes de Freser e La Tour de Carol, mas neste caso o bilhete de interrail pode ser utilizado no autocarro que assegura a ligação. Era um autocarro de 2 andares e conseguimos usurpar os bancos da frente do primeiro andar, o que nos permitiu ter uma excelente vista da viagem que durou cerca de uma hora e na qual subimos até aos 2000 metros de altitude por uma estrada tortuosa que serpenteava pelas montanhas.

De um lado a escarpa a precipitar-se para o céu e do outro um precipício que também nos levaria direitinhos ao céu caso o condutor se distraísse.

Este pequeno trajecto tem uma vista simplesmente avassaladora de montanhas gigantes e abismos cravejados de vegetação. Vimos várias pistas de esqui (embora nesta altura do ano não houvesse neve) com os seus teleféricos a trepar pela encosta acima para transportar os turistas até ao topo.

Passámos por povoados de casas pitorescas de construção pouco habitual para nós, feitas de pedra escura e com telhados cinzentos.

A estação de La Tour de Carol, à qual por fim chegamos, é igualmente um edíficio típico e muito bonito e foi aí que apanhámos o tal famoso comboio.

O trajecto realmente não desiludiu.


O comboio tinha carruagens descobertas e foi numa destas que viajámos pela ladeira dos Pirinéus através de um bosque denso, frondoso, verdejante, deslumbrante e intocado, rasgado apenas pelas escarpas rochosas das montanhas que se perdiam nas alturas e pelos cursos de água que redemoinhavam por entre os seixos, lá muito, muito em baixo.

Ocasionalmente víamos cascatas murmurantes e atravessávamos pontes suspensas a uma altura vertiginosa. A viagem durou umas 3 horas mas nem demos pelo tempo a passar.


Dentro de um dos muitos túneis que furavam as montanhas:


Na parede de uma das estações em que parámos a meio do caminho, que servia um pequeno povoado perdido na cordilheira:

O Nuno filmou um pequeno clip durante a viagem, mas teve a sensatez de o fazer logo no início da trajecto, um dos seus trechos mais desinteressantes. Fica aqui de qualquer forma:


Última noite em Barcelona

Na última noite combinámos ir dar uma volta com umas alemãs muito jeitosas que conhecemos no hostel. Elas disseram que iam só jantar e que depois nos encontrávamos.

Bem, elas nunca chegaram a voltar do jantar.

Sinto-me mal por não as ter avisado sobre os perigos da comida chinesa. Espero que tenham ficado bem... Nunca mais as voltamos a ver.

Acontece que nesse mesmo dia, ainda de manhã eu estava aqui:


Mais concretamente, estava a tocar no piano de cauda roufenho e desafinado que se encontrava no átrio.

Horas antes tinha chegado ao hostel um autocarro cheio de atrasadinhos mentais.

Não é no sentido figurado. Eram mesmo tru-lu-lus.

O Nuno, ao passar por mim na direcção do quarto, não deu a mínima atenção às duas raparigas que estavam a ver-me tocar e que batiam palmas sempre que eu chegava ao fim de uma música.

Assumiu rapidamente que deviam ser duas tru-lu-lus do grupo que tinha chegado havia pouco.

Acontece que não eram.

Acontece que eram uma francesa e uma austríaca na casa dos 24 anos. E sem querer denegrir a austríaca que não tem culpa nenhuma, a francesa era simplesmente deslumbrante (na verdade, mais tarde vim a saber que para além de trabalhar em relações públicas ela também era modelo fotográfica).

Já estava a ficar constrangido com a assistência e com as palmas por isso optei por parar de tocar e fui falar um pouco com elas.

Depois elas foram para a cidade, despedindo-se com muitos sorrisos, e disseram que só voltariam à noite.

À noite, estava eu na sala de convívio do hostel a ler o meu livro enquanto esperava que as alemãs aparecessem.

Não apareceram elas, mas apareceram a austríaca e a francesa, que ao verem-me vieram ter comigo e começamos numa conversa animada.

O Nuno, que já tinha ido dormir, deve ter acordado sobressaltado a sentir cheiro a gaja e apareceu na sala minutos depois, todo desgrenhado. Teve um timing impressionante.

Passámos o serão na companhia destas duas raparigas deliciosas, Tanja (a austríaca, em cima) e Isabelle (a francesa, em baixo), a primeira sempre a dar bola ao Nuno e a segunda a dar-me a mim:


Aquilo estava a correr bem.

A Tanja já mexia nos caracóis do Nuno a dizer que eram muito bonitos e a Isabelle agarrava-me as mãos e dizia que eram muito bonitas...

E esta Isabelle era uma doçura de rapariga, linda, querida, ai ai, um espectáculo de mulher...

Continuámos nesta conversa sedutora durante uma boa hora e meia, as coisas enrolaram, enrolaram...






...







...






Até que nos despedimos e cada um foi para o seu quarto dormir.

Habilidades

Eu a fazer uma das minhas habilidades:

Tento usá-la para impressionar as raparigas, mas até agora não tem resultado muito, não percebo porquê.

Park Güell


No dia seguinte fomos visitar este enorme e lindíssimo parque de arvoredo frondoso infindo, que se espraia por várias colinas, no topo de uma das quais se encontra um miradouro com uma espectacular vista sobre a cidade:


Perdida no meio deste parque encontra-se a casa que Gaudi habitou, desenhada por ele, e que agora alberga um museu dedicado ao arquitecto:

Por entre os bosques despontam arcadas de pedra de construção bizarra, que te fazem sentir teletransportado para um mundo alienígena, digno de uma fantasia de Bilal:


Espreitando sobre um muro no limite do parque abarcamos uma nova vista da cidade, dominada em primeiro plano por esta casa completamente grafitada:

E no coração do parque Güell, mais uma bizarria arquitectónica interessantíssima:

No topo temos um terraço onde nos podemos sentar a apreciar a paisagem ampla:

E por baixo, uma galeria improvável suportada por colunas de pedra, onde um artista toca guitarra clássica e o som dos acordes ecoa pelas paredes criando uma atmosfera de grande misticismo.

Descendo um pouco chegamos à saída do parque, guardada por mais um par de construções completamente aberrantes:

O parque está recheado de vendedores de bijuterias, instrumentistas e cantores que aproveitam a acústica magnífica dos nichos de pedra para criar um ambiente mágico de grande musicalidade.

E por todo lado se vêem mulheres lindas, afogueadas com o calor insuportável e por isso com muito pouca roupa.

Hostel nº 2

Ao fim de 3 noites em Barcelona decidimos ir para outro Hostel.

Foi sem dúvida uma excelente ideia.

Sendo a cidade bastante grande, isto permitiu-nos localizarmo-nos numa zona completamente diferente e assim poder visitar outras coisas.

Ao pequeno-almoço tirámos uma foto de despedida com as eslovenas, com promessas de nos voltarmos a encontrar e convites de ambas as partes para passar uns dias nas respectivas terras-natais:


Depois pusemos as mochilas às costas e apanhámos o metro para uma zona bastante mais periférica da cidade, onde se encontrava o nossa nova pousada.

Metro, por sinal, muito maior e mais complexo que o de Lisboa.

Lá chegados, tivemos de subir uma vertente inclinada durante uns dolorosos 20 minutos pois o albergue era no topo de um monte.

Mas o sítio vale sem dúvida a pena. Está rodeado de arvoredo e tem uma bonita vista sobre a cidade:


uma esplanada para os hóspedes:


E o edifício em si, antigo mas conservado, é extremamente invulgar, principalmente os interiores, decorados com inspiração arábica, mais uma vez em tons de vermelho, a cor que predomina e simboliza esta cidade quente, tão quente que estava sempre a ir-me pôr debaixo do chuveiro ou de fontes na rua para me refrescar, encharcava propositadamente as roupas e vestia-las assim, deixando-as secar no corpo.



Ficámos hospedados num dormitório para 16 pessoas e nem uma menina no meio delas... Travámos conhecimento com um arquitecto português de 30 anos, de Lisboa, que vinha visitar a cidade pelo marco que é para os da sua profissão; e com um grupo de jovens skaters franceses, que vinham participar num evento e que eram patrocinados pela Vans.

O resto da tarde passei-o a lavar roupa à mão no lavatório, que já não tinha nenhuma limpa (como é natural, não andámos às costas com roupa para 40 dias. De facto, tinha muito puca roupa).

E sendo o sítio tão acolhedor passámos a noite por ali, a ler na esplanada.

Rambla diurna

Seja de dia ou de noite, a Rambla é sempre um passeio ao rubro.

Jazz Nocturno

Numa das noites conhecemos um professor de Saxofone austríaco de vinte e muitos anos que estava hospedado no nosso hostel com o qual tivemos uma longa conversa sobre música e não só. Falou-nos de uma Jam de Jazz que ia haver num bar refundido de um beco refundido nos recônditos do bairro gótico.

Fomos lá ver aquilo. Era mesmo refundido. Um ambiente acolhedor, abafado, abrasador, e música Jazz ao vivo ao sabor de uma cerveja.



Hard Rock

Tinha um Cadillac em cima do balcão do bar:


E um candelabro feito com saxofones: